Entrevista com o professor Marcos Bagno
Marcos Bagno cursou a graduação e o mestrado em letras na Universidade Federal de Pernambuco. Doutorou-se em língua portuguesa pela Universidade de São Paulo e atualmente é professor da Universidade de Brasília. Contista, poeta, tradutor autor de obras para o público infanto-juvenil' recebeu diversos prêmios literários importantes. Seus livros mais divulgados, contudo, são os dedicados ao debate sobre o português brasileiro e seu ensino. Dentre eles se destacam: A língua de Eulália ( Contexto, 1997), pesquisa na escola: o que é, como se faz ( Loyola, 2000), português ou brasileiro? Um convite à pesquisa ( parábola, 2001) e nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística ( parábola 2007). Empreende amplo trabalho de divulgação científica por meio de palestras, cursos, seminários e em sua página pessoal na internet: www.marcosbagno.com.br
Esta biografia foi retirada do livro "Preconceito Linguistíco".
1-Como a escola deve trabalhar a relação entre a
língua culta e a língua falada, junto aos alunos?
MB:
Para começar, essa pergunta contém um equívoco. Ela opõe “língua culta” e
“língua falada”, como se fossem duas coisas distintas, quando na verdade não
são. O conceito de “língua culta” se aplica tanto à fala quanto à escrita. Na
nossa cultura ocidental, porém, tradicionalmente se tem considerado que toda
escrita é culta, literária, formal, e toda fala é “popular”, descuidada,
informal. Essa dicotomia de fala e escrita precisa ser urgentemente desfeita.
As relações entre língua falada e língua escrita sempre foram muito complexas e
são ainda mais complexas hoje, com o desenvolvimento das novas tecnologias de
informação e de comunicação. É essa complexidade que a escola deve trabalhar e,
para isso, já existe muito material didático adequado.
2- Como minimizar o preconceito linguístico no espaço escolar?
MB:
Primeiro, reconhecendo que ele existe. Só se pode combater um mal quando ele é
reconhecido como tal, identificado e definido como tal. A principal estratégia
para isso, no âmbito escolar, é a formação adequada das professoras e dos
professores. É preciso que se familiarizem, desde cedo, com os instrumentais
teóricos da sociolinguística, da sociologia da linguagem, da análise do
discurso. Sem isso, tudo ficará nas boas intenções e, como diz o ditado, delas
o inferno está cheio.
3-Quais as possíveis consequências do preconceito linguístico no desenvolvimento da aprendizagem do educando?
MB:Desestímulo
para aprender o que quer que seja. Como os saberes escolares são transmitidos
essencialmente numa linguagem formal, acadêmica, e como essa linguagem não é de
domínio da imensa maioria dos que frequentam a escola (incluindo o corpo docente),
ela afasta desde logo quem tenta se aproximar dela. O problema, evidentemente,
não está nessa linguagem, que é a adequada para o meio acadêmico, escolar, mas
a utilização dela como instrumento de repressão e de exclusão social é que faz
dela um problema.
4-Quais são as principais causas do preconceito linguístico?
MB:O
preconceito linguístico é só um dos muitos preconceitos que circulam na nossa
sociedade, como o machismo, o sexismo, a homofobia, o racismo etc. Essa
ideologia se vincula estreitamente à formação histórica da sociedade
brasileira, fruto de um processo colonial em que milhares de indígenas foram
massacrados, em que milhões de negros foram trazidos como escravos da África,
em que as divisões sociais sempre têm sido agudas e profundas. Excluir alguém
pelo modo como fala, pela cor da pele, pelo sexo, pela orientação sexual etc. é
garantir a uma pequena oligarquia o lugar que ela já ocupa no topo da
hierarquia social. Quanto mais democrática uma sociedade, menos espaço haverá
para discriminações explícitas, até porque nas sociedades democráticas existem
leis rigorosas contra elas.
5- No âmbito escolar, o preconceito linguístico pode induzir ao bullying? Explique.
MB:Pergunta interessante e importante. O conceito de
bullying pode ser perfeitamente aplicado ao caso de discriminação por meio da
linguagem. O arremedo de sotaques considerados “engraçados”, a zombaria
dirigida a pronúncias características ou ao uso de determinadas palavras são
formas de ataque ao ser humano que fala assim. Falar é ser, por isso qualquer
discriminação exercida sobre a fala é uma forma de exclusão social.
6- Se somos um povo multicultural e diversificado, é dever da escola ou da família conscientizar as crianças a respeitarem os regionalismos? Por quê?
6- Se somos um povo multicultural e diversificado, é dever da escola ou da família conscientizar as crianças a respeitarem os regionalismos? Por quê?
MB:Não se trata simplesmente de “respeitar”. É preciso
reconhecer a legitimidade social e cultural das variedades linguísticas, brigar
por esse reconhecimento, proclamar o direito que todo cidadão tem de falar sua
língua materna do modo como a aprendeu em seu meio social e cultural.
7- Você já sofreu
preconceito linguístico? Caso positivo, em que contexto? Como se sentiu?
MB:Nunca sofri discriminação linguística porque sou
homem, branco, de classe média e natural do Sudeste. Essas características
sociais — das quais não me orgulho porque não fiz nada para merecê-las, nasci
assim — me colocam num lugar, digamos assim, imunizado contra o preconceito
linguístico e, muito mais, um lugar de onde parte esse preconceito contra os
não-brancos, as mulheres, os pobres, os naturais de outras regiões do país.
Felizmente, por ter recebido em casa uma formação política crítica, desde logo
reconheci os problemas sociais ligados à linguagem e a seu uso e tratei de
lutar contra eles.
Análise da Entrevista
Nesta Entrevista concluímos que a questão do preconceito linguístico é muito polêmica, as pessoas costumam distinguir a língua culta da língua popularmente falada, quando na verdade, segundo Marcos Bagno, elas formam a mesma linguagem.
Durante muito tempo nas escolas a língua culta foi ensinada de uma forma enfadonha e descontextualizada, como se só essa forma fosse a correta de falar. Os alunos tinham que decorar as estruturas das frases e tempos verbais que deveriam utilizar no seu dia a dia. Esta forma de ensinar persiste até hoje.
Os professores deveriam estar capacitados para lidar com a diversidade cultural que existe dentro da sala de aula, isso inclui respeitar os regionalismos existentes no âmbito escolar.
O preconceito linguístico, como todo preconceito, pode atrapalhar no desenvolvimento do educando já que a linguagem faz parte da identidade de cada um e o que ensinam nas escolas é diferente da vida cotidiana deles.
A melhor forma de combater a educação bancária que ainda persiste na maioria das escolas até hoje e o preconceito linguístico é adotar um novo modelo educacional, que não apenas ensine fórmulas e teorias decoradas, mas que realmente eduque para a vida, salientando a importância da democracia e a pluralidade cultural.
Esta também é a melhor forma de amenizar o bullying que os alunos podem sofrer por falar com o sotaque de sua região.
É importante frisar que o autor Marcos Bagno não defende o falar errado, ele defende o respeito e a legitimidade das várias culturas que existem em nosso país.
Ao final da entrevista o autor afirma que existem pessoas mais propícias a sofrerem o preconceito linguístico que são os nordestinos, pobres, negros e mulheres, sendo assim fica claro que é primordial minimizá-lo, pois esta parcela da população representa a maioria dos brasileiros.
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